Em memória de Carolina Alves, a CyberLetter, recorda-a, com saudade
“As tuas cartas de amor
São poemas de saudade,
Papoilas rubras de cor
Nos verdes da mocidade.”
Carolina Alves
De seu nome, Carolina Alves da Silva Cecílio, filha de Manuel Francisco Alves e Amélia José, nasceu em Almodôvar no dia 09 de Abril de 1910.
Carolina Alves, na infância, cresceu em ondas de sensibilidade, em torvelinho de imagens agitadas, suspensas no seu mundo infantil, como nuvens coloridas boiando no céu. Era já a poesia a falar medrosamente a uma plateia que ri e chora sem a entender. Mas, os seus anseios eram ternos, tinham luz, inocência e filosofia precoce. Carolina Alves, já tinha ideais de mulher apesar da sua pouca idade e por isso chorava, com a amargura de quem está num túnel escuro, vendo grande luminosidade, ao longe, sem a poder alcançar. Então, interrogava-se:
“ Não sei... não sei de mim... nem o que sou!... / nem sequer de onde vim nem ao que vou!...” ... “E nos meus olhos místicos, videntes, / Há fantasmas, visões, sonhos ardentes.../ Não sei... não sei de mim... nem o que sinto.../ Tudo incerteza, vago e labirinto! ... / Talvez o vaticínio de profeta... / ou musa inspiradora dum poeta!...”. Isto são reminiscências aéreas tocadas de brisa que num gesto inconsciente, afagava. Aparições esfumadas que se diluíam de repente.
Carolina Alves frequentou escolas em Castro Verde, Entradas, Aljustrel e Beja. Ainda na adolescência, veio para Lisboa, onde, por falta de recursos, não completou o curso da Escola Normal. Aos dezoito anos ingressou nos escritórios dos Caminhos de Ferro Portugueses, mas, continuou sempre a estudar, valorizando-se, enriquecendo a cultura do seu espírito, apurando a sua sensibilidade, tornou-se admirada dos seus superiores e colegas. Entre os numerosos elementos do pessoal feminino daquela importante empresa, Carolina Alves foi escolhida e eleita para a direcção do Sindicado Nacional dos Ferroviários do Centro de Portugal (Pessoal dos Serviços Centrais), cabendo-lhe a honra de ter sido a primeira senhora em Portugal que ocupou um lugar de dirigente sindical.
As suas oportunas e sensatas opiniões foram sempre acatadas com o maior respeito e interesse. Muito lhe está devendo o Sindicato, pelos seus prestimosos serviços durante os dois anos em que exerceu o cargo de vogal da Direcção. O Boletim da C. P., órgão da Instrução Profissional do pessoal da Companhia, conferiu a Carolina Alves a elevada missão de ter a seu cargo a “Página Feminina”, do que se desempenhou com grande brilho, merecendo os melhores louvores. Tinha ao mesmo tempo o encargo de escrever palestras para a Rádio, bem como peças de teatro.
Tocada por singular misticismo, inclinou-se para a poesia trabalhando a difícil arte com naturalidade assombrosa com predilecção pelo género clássico, sem deixar de admirar o moderno, que também fez. Admirou os poetas Casimiro de Abreu, Cecília Meireles, Jorge Ferro Rosa, César Afonso, Luís Miguel Caldeira (Falecido), Nelson Campelo e outros. No género clássico, admirou a poesia do Padre Moreira das Neves, Fernanda de Castro, Virgínia Vitorino Florbela Espanca, Marisa Ryder, Aníbal Nobre, Glória Marreiros e Alberto Cardoso. Este poeta dedicou-lhe alguns versos e escreveu sobre Carolina Alves: “ é uma alma gentil de sensível inspiração e espontâneo lirismo comungante da Religião da Poesia Eterna”.
Carolina Alves escreveu:
Caem lágrimas do Céu
Numa chuva miudinha...
Cada uma, um beijo teu
Que a tu’ alma envia à minha.
Tudo me fala de ti...
E a minha vida é um Ai!
Lágrimas do Céu - caí!
Chorai comigo, chorai!...
Carolina Alves tem publicado três obras literárias, “Estrelas sem Rumo” (poesia), “Ziguezagues Poéticos” (Poesia e prosa), “Dom Henrique o Príncipe do Mar” (Prosa) e “tinha muito mais para publicar, “só que não houve oportunidade pelo menos até ao seu último dia de vida.
Carolina Alves fez das pequenas coisas grandes coisas e disse: “o que me dá mais prazer é quando escrevo com inspiração, sou como se abrisse uma torneira a jorrar água e assim surgem as palavras e as ideias. “Dá-me prazer também beijar uma criança, sentir a sua inocência e a sua fraqueza. Sinto prazer em conversar com as pessoas de intelecto muito desenvolvido, que me dão lições. Sinto prazer em ler um bom livro. Até me dá prazer proteger os animais, sinto a sua inocência”, tal como o que se gosta há aquilo que nos desagrada, “não gosto nada de discussões porque não levam a nada, gabarolices e vaidades infundadas”. Carolina Alves era uma pessoa muito crente e só isso a fazia viver “ como sou crente acredito que há outra vida para lá da morte; é essa que nos vai compensar dos males desta. As forças mais poderosas são as invisíveis. Quanto à doutrina Espírita, creio na reencarnação porque se o dia surge à noite e a noite ao dia, também as vidas têm a sua noite e o seu dia, ... até alcançar a perfeição, e repito, que, há vida para lá da morte! Quanto ao Espiritismo, se há pessoas que são sinceras, há algumas que não e daí surgem as confusões para a humanidade. Por isso não sou Espírita, sou Católica praticante. Na vida, apesar de todos os pesares, não me sinto infeliz, tenho sido privilegiada por Deus.”
Os defeitos e dúvidas são dos humanos...
DÚVIDA
Não sei se o teu amor é verdadeiro,
Se eu tenho para ti qualquer encanto...
Se me sorris por eu sorrir primeiro,
Se me queres, por eu te querer tanto!
Não sei que te detém, porque te calas,
Quando me olhas estático, a pensar...
É por amor a outra que não falas?
Oh! Quem me dera amor adivinhar!
Eu sou feliz beijando a tua boca,
Nessa ilusão bendita que inebria,
Neste sonho de amor que me traz louca
E faz vibrar meu peito de alegria.
GRÃO DE AREIA
Eu sou um grão de areia olhando o mar,
Que uma onda de espuma arremessou
À praia do deserto aonde estou
A ver os vendavais por mim passar...
Trago na alma, as almas a gritar...
Lágrimas que em naufrágios se chorou...
Toda a mágoa do mundo em morte sou
A catedral da dor a condensar!
Grão de areia entre tantos como eu...
Multidão infeliz que não viveu,
Que todos pisam como coisa morta!...
Mas lembro-me que há muito fui aral,
Depois de descoberto - Portugal -
E agora aquilo que sou, já não importa!
NÃO ME FAÇAS MAIS VERSOS
Os versos que me fazes, meu amor
Trazem o teu perfume, são brilhantes,
São finos, majestosos, elegantes,
São sombras de um adeus à minha dor!
São versos de um poeta sonhador
Que me encontrou em épocas distantes...
Mas mudei... já não sou quem era dantes,
Apenas aprecio teu estro em flor!
És rio de ilusões e de ternura
Nos teus deslumbramentos de imortal...
Não me faças mais versos é loucura!
Eu sou de carne e sangue, sou real...
E tu és a intangível criatura
Que vive o sonho eterno do ideal!
CONTRADIÇÃO
Não me queiras! Despreza-me sem dó!
Podes por mim passar, indiferente,
Bem alto proclamando a toda a gente
Que vives sem amor, que és livre e só.
Meu coração reduzirei a pó,
E a minh’alma, que mágoas já não sente,
Há-de aquietar-se, calma e paciente,
Tão pobre e resignada como Job.
Desmoronou-se o egrégio pedestal
Em que te erguera, belo e sedutor!
Não venhas mais tentar-me para o mal.
Que estou dizendo? Oh! Não! A minha dor
Desvaira-me a razão! Não creias tal,
Tudo é mentira! Volta meu amor!
Carolina Alves escreveu várias peças de Teatro tais como: “O Médico Preto” (Monólogo) já representado, “O Pintor”, (lido na Rádio) e dezenas de palestras na Rádio. Prestou colaboração em diversos Jornais e Revistas, tais como: Modas & Bordados, Almanaque Alentejano, Poetas & Trovadores, Jornal Novidades, onde foi Crítica de poesia, o Campaniço, Jornal Notícias de Évora, Jornal Diário do Sul, Jornal Florinhas do Gradil, Revista Mosaicos, e foi colaboradora permanente desta revista (Jornal da Amadora) com poesia e artigos de grande mérito literário. Foi associada da Associação Portuguesa de Poetas e da Direcção do Cenáculo Literário Marquesa de Valverde, onde fez parte do Júri dos Jogos Florais, prestando também serviços de Direcção, também foi associada do Círculo Nacional de Arte e Poesai. Fez parte do grupo “O Carinho da amizade”. Além das suas obras tem poesia sua publicada em Jornais, Revistas e Antologias. Tem publicado dezenas de críticas literárias; foi entrevistada na Revista Crónica Feminina e noutros onde manifestou sentimentos diversos, sobretudo a saudade.
SAUDADES!...
Saudades... São rosários desfiados
De lágrimas ardentes e de amor!...
Sombra que encerra luz, carícia e dor,
Que em lamentos e ais nos traz ligados.
Corações de tristeza repassados...
Campos lilases da saudade em flor
E donde a alma se envolta num clamor,
Dispersando sorrisos torturados!...
Saudades que de esperanças vão vivendo
Penas brancas que veste a mocidade
São rosas que entre espinhos vão morrendo!...
Mas se em nós se apagou a claridade
Da esperança... que nos resta? Ir perecendo
Ao cântico tristonho da saudade!.
(05.05.1951)
Carolina Alves era romântica, sonhadora, amorosa e crente, deixava-se arrastar por pensamentos cheios de ternura e de encanto feminino, era uma personalidade lírica de um grande interesse. Nos seus poemas há a identificação da ternura e suavidade com a melancolia e a tristeza. Os seus versos possuem elegante ritmo, com bom timbre que aos nossos ouvidos soam. Cada poema traz em si as marcas da sua personalidade indiscutível de poetisa de grande valor. Nos seus versos rimados transparece a luz e a sombra, a vida e a morte, o sonho e a desilusão. A maior virtude dos seus versos, é que não caem na uniformidade silábica, variam constantemente e fornecem motivos fortes e profundos para a meditação, cheios de múltiplos cambiantes com lições perenes de amor.
Palestras:
- Para além do ano dois mil
- A Primavera
- A necessidade de Orar
- O amor!
- Conserve a sua felicidade
- A criança
- Os americanos em Lisboa
PAPEL AMARROTADO
Um papel amarrotado,
Que nas pedras da rua ia rolando
E já por toda a gente desprezado,
Prende a minha atenção, e, eis senão quando:
P’ra minha mão, vem o papel voando!...
Ante meus olhos, pois, se há deparado
O atrevido papel tão miserando,
Em que ninguém houvera reparado!...
Em mim, simplesmente há curiosidade...
O que conterás tu, papel imundo?
Vou ler-te, visto que é tua vontade!
Mas, uma perturbante comoção
Invadiu a minha alma bem no fundo,
Ao ver que à VIRGEM, era uma oração!!!
21.10.1950
- Em 23 de Julho de 1986 é arquivado na Sociedade Portuguesa de Autores com a seguinte referência: 14 B/LF/MB/MM a letra: “Réplica à Valsa de Casimiro de Abreu”.
No:
- Jornal o Campaniço (Boletim Informativo da Câmara Municipal de Castro Verde) nº 9, Ano 2 Nov./Dez, 1990, o artigo de Mário Elias: Carolina Alves poetisa Alentejana, na p.15, e ainda o poema de Carolina Alves à memória da insigne professora do Baixo Alentejo Maria Emília Vasques Torres
- Jornal Novidades - 05.01.1959, p. 05 o poema Nasceu Jesus
- Jornal Novidades, no suplemento Letras e Artes, o artigo do Padre Moreira das Neves: Estrelas sem Rumo, poemas de Carolina Alves, na página 04.
- Jornal Letras e Artes, critica: A torre de Belém (Castelo de Sam Vicente da Par de Belém ) pelo Egº J. de Sousa Nunes, p.02, ano XXIV, 19 de Fevereiro de 1961, n.º 05
- Peças de Teatro de Carolina Alves:
O Médico Preto (Monólogo), representada por António Pereira, na Sociedade Promotora em Lisboa
Escreve em Artes e Letras acerca: O ninho da Onça de Alberto Lopes, p.4 e Lusitânia Expresso de Ferro Rodrigues
- Cores de Rubem A
- De Escape livre de Mariac
- Portugal Marinheiro de A. de M. Faria Antunes;
- Jornal Novidades, no Suplemento Artes e Letras, no Ano XXII, a 23 de Outubro de 1960, p. 2, com o Título de: Viagem Através duma Nebulosa de António Ramos Rosa;
- Jornal do Alentejo, 18.06.1952, in Página da Mulher, com o poema Contradição.
- Jornal de Notícias de Évora (Diário Regionalista da Manhã), nº 17.540, em 15.01.1959, Vida Literária: Estrelas Sem Rumo;
Carolina Alves escrecve, CRÍTICAS:
- Trovas de Luís Otávio, em Jornal Novidades no Suplemento Letras e Artes
- A Primeira Verdade Nobre de Maria Amélia Neto
- Diedro de Coimbra e de Resende
- Devo Narrar a Minha vida (Autobiografia de uma rapariga excepcional, de Cecília Cony (Soror Maria Antónia)
- Asa Ferida, poemas de Maria Pimentel Montenegro
- Na Margem das Horas de António Salvado
- O Mago que Lia a Sina de João Maia
- A Clepsidra de Camilo Pessanha, de Ester Lemos
- Terra Firme de António Rodrigues
- Os Meninos e as Quatro Estações de Tarciso Trindade
- Arame Farpado de Bastos Xavier
- Poemas Bárbaros de C. de Castro Lopo (Bento de Castro)
- O Teatrinho da Escola de Reinaldo Ferreiro (Néorx)
- Viagem ao Mundo da Minha Infância de Alice Azevedo Constant
- Terra-Mãe de Bento Caeiro
- Drama Íntimo de Agostinho J. Caramelo
- Portugal Marinheiro de A. de M. Faria Artur
- O Vento e a Sombra de Maria Amélia Neto
- A Dama e o Cavaleiro de Ana Hatherly
- A Velha e o Barco de Ernesto Leal
- Glória a Deus e Louvores de Luís Santos Nunes
- Jornal O Meu Jornal, o artigo: Ano Novo, p.7
“A morte é escura,
de enigmas formada;
que mata e procura
ser bem desculpada.”
- Em 1994 (Fevereiro), é Vogal da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Poetas
No Jornal Poetas e Trovadores:
Ano XIII - Fevereiro 1993, p. 12 com o artigo: O Carnaval
Ano XI - Fevereiro 1992, p. 13 artigo: 25 Aniversário do Cenáculo Literário Marquesa de Valverde, e ainda o poema: “À Memória da Marquesa de Valverde”.
Ano XII - Junho 1992, p. 13, com o artigo: Ser Poeta
Ano II - Agosto/Setembro 1992, p. 2, com o poema Por Bocage (Soneto);
Ano XII - Outubro, 1992, p. 12 com o artigo: A Arte da Palavra;
Ano XII - Dezembro 1992, p. 19, com o artigo Tradições do Natal;
Ano XII - Novembro de 1992, p. 4, com o artigo: Coração em Chamas do Dr. Joaquim Pegado Cardoso
Ano XV - Junho 1994 - p. 10, com o poema: Mágica Visão (Soneto).
- Escreveu para o Jornal o Século
- Jornal Florinhas do Gradil, Julho de 1952, Ano III, n.º 28, poema: Procissão de Nossa Senhora da Saúde, p.4
Boletim da C. P. nº 403, Janeiro de 1963, p. 24. “Mais um ano…”
Outros Boletins da C. P. com os seguintes artigos:
“Um equívoco”, “Mãe”, “Como se conservam as flores”, “O tempo e o destino”, “Novidade parisiense”, “É bom saber”, “Um provérbio de Salomão”, “Começa a Primavera”, “Para os Noivos”, “O Perfume”, “É bom asber… para repousar os pés”, “Gesticular”, “Conserve a sua felicidade”, “Etiqueta”, “A costura”, “A moda”, “Adolescência”, “Educação da Criança”, “Ternura”, “Mães portuguesas”, “Ser rapariga…”, “Mais um ano”, “O Baptismo”.
- Revista Mosaico, n.º 31 (Março, Abril e Maio de 1990 Directora Carmen de Figueiredo, apresenta Carolina Alves, que é capa de revista. Poemas seus são publicados.
- Recebe prémio de: “Um arco para violino”, pelo aproveitamento na disciplina de Música no ano lectivo de 19934/35 [02.12.1935]
- Foi sócia de “A voz do Operário” em 7.7.1928
- Escreveu palestras para Rádio: Rádio Graça.
- Foi entrevistada duas vezes na Revista Crónica Feminina;
- Trabalhos seus foram publicados no Almanaque Alentejano.
- Foi entrevistada pelo Dr. Jorge Ferro Rosa no Jornal da Amadora “Carolina Alves e o seu mundo Literário”, 5 de Setembro de 1996, p. 10
- Jornal da Amadora, com os artigos: Homenagem Póstuma a Luís Caldeira; Poeta; Carta a Alguém; Recordando um Amigo; Saudade que não Morre; e outros artigos e poemas que ainda continuam a ser publicados no referido Jornal;
Carolina Alves foi uma das pessoas responsáveis da Revista Cultural CyberLetter, uma das pessoas impulsionadora de todo o movimento e que teve a seu cargo a chefia da Redacção. Carolina Alves foi um dos elementos mais importantes desta Revista. O Director, era para ela o seu menino, o Jorginho como ela lhe chamava e posso aqui dizer que foi aquela pessoa que me tratou como nunca ninguém o fez até então.
Carolina Alves sempre me deu bons conselhos em vida e sempre com uma palavra amiga para mim, sempre. Era uma pessoa amiga de toda a gente. Carolina Alves partiu mas a minha amizade por ela continua igual. As coisas são assim e ninguém entende! A sua vontade deverá ser cumprida... na CYBERLETTER tem sempre o seu lugar, um lugar póstumo.
HÁ VIVOS APARENTES DE ALMA MORTA
Nas veias corre o sangue vinculado
Pelos erros do espírito infinito...
E se a razão não mede ante o conflito,
Haverá sangue rubro derramado.
Secretamente, em seu coração prateado
À vida legará quanto foi escrito,
P’ra mais tarde surgir em alto grito,
Porque calar não pode o condenado.
Seja crente ou descrente, não importa,
À Lei da Natureza está sujeito,
Porque só ela reina e nos conforta.
Pois toda a causa tem o seu efeito...
Há vivos aparentes, de alma morta,
Porque não têm coração no peito!
INTIMA DOR
Donde vens ó minh’alma assim tão triste?
Talvez de orbes celestes congelados,
Talvez de céus ignotos constelados,
Onde a luz de teus sonhos nunca viste.
Volta à procura e vai de lança em riste,
Leva teus elmos, teus mantos doirados
E se de sangue os vires salpicados,
Não te assustes! Vai! Segue! A luz existe!
E lá partiu minh’alma corajosa,
Impávida a sorrir, na fé absorta,
Qual sílfido gentil, bela graciosa...
Ouvi bater de leve à minha porta,
E fui abri-la estremecendo, ansiosa.
Oh! Deus! Era a minh’alma quase morta!
Naquele dia tudo se turvou na minha mente sem que eu percebesse alguma coisa do que estava a acontecer! Dia de luz sem luz!... Dia de cansaço... onde entro na capela de S. José e uma vez mais interrogo a existência e o meu interior explode com um silêncio pela mudança que já se estava a operar desde a manhã do dia congestionante. São situações que me deixam muito embaraçoso, e sem conseguir falar nada... mas de mim sei eu, quando penso saber, o resto não me diz respeito. O certo é que naquele dia falecia a minha amiga Carolina Alves! Olhei à minha volta e as lágrimas lavavam o meu coração, sem que com isso desejasse mostrar a quem quer que fosse o que estava a acontecer dentro de mim e mais precisamente naquele momento. O grito veio pelas redes de comunicação... dos telefones. As lágrimas choveram assim do Céu em tom moribundo! Lembro-me da sua maneira de ser, dos dias bonitos, os momentos da alegria e de tudo aquilo que nos envolvia a nós de uma forma especial, entre mim e ela, o resto ficava ao lado, nós éramos um outro mundo. A intensidade era nossa, a nossa vivência e única. Desta maneira o espasmo da vida tudo deitou por terra, senti-me vencido, ela abandonou-me para sempre... o seu sorriso cerrou, mas o seu quer-me bastante continua, tal como o meu nos dias de hoje, a viagem foi o rumo para o além, o lugar do desconhecido. Ela sabe disso, independentemente do que eu possa mostrar, claro aos outros isso não faz muito sentido. Mas, fui eu que nos últimos tempos de sua vida lhe dei mais atenção, vivia com ela o dia a dia, era a sua companhia, o seu netinho, o seu menino, como me dizia. Uma estima invulgar, uma correspondência... minha amizade é assim, e tudo continua!
Tudo isto para mim é insondável, cada palavra é uma lâmina afiada, dilacera-me o corpo e a alma, tudo lá bem no fundo... e lembro todo o final... uma princesa a dormir, repleta de flores, de mensagens de alguns amigos e do silêncio de meditação... os nossos sentimentos à nossa maneira. Estará Deus zangado para que a tivesse levado? Não posso! Mas, quase todos os dias a tenho presente em sonhos fantásticos... Alheio a tudo, mantenho a sua presença, todo o meu vazio preenche-se com as imagens do particular... que é eterno e é assim que continuamos os dois a viver, embora de forma diferente. Então que seja feita a sua vontade, pelo menos, no que me diz respeito aqui na terra.
Não posso ficar no silêncio, o altar da vida é agora diferente, claro com a dor. Carrego a solidão de uma amizade cujo cenário é o tempo. Mas, a vida é isto, e tanto eu falava com a minha querida amiga Carolina Alves, sobre as coisas da vida...
No seu funeral foi a última viagem que fiz consigo e naquele lugar as minhas lágrimas derramaram-se junto ao ombro da minha amiga Marisa Ryder, depois de olhar ao descer do caixão à terra, quando os homens começaram a arrastar a terra... e assim tudo se cobriu de terra e flores, as minhas flores e as dos outros. Foi lá no desterro, lá no cemitério do Alto de S. João que o corpo da Carolina Alves ficou, na campa, com o nº 7120 - 1997 [Carolina Alves]. Ali, para tudo começar, a derradeira despedida... este grito que rasga o tempo e eterniza uma amizade divina. Que a sua alma tenha a paz eterna e a verdade cresça em todos os jardins. As saudades são as flores que me brindam todos os dias... num adeus rumo à reflexão.
Carolina Alves tinha muitas amigas. Nos últimos tempos da sua vida, Marisa Ryder era uma amiga do seu coração. Segue-se um Soneto que Carolina Alves escreveu, ao aniversário de Carolina Alves e a resposta de Marisa Ryder ao respectivo Soneto.
Aos Anos da Marisa
Truz, truz, truz truz! Quem é? É um bebé!...
Vem num cestinho de oiro perfumado,
Parece Jesus em palhas deitado.
Mas é uma menina... Linda é!
Seus olhos são da cor dum aloé
Sorriem para a mãe que os há gerado
No ambiente materno, abençoado;
Que lembra a paz da Virgem e José!
E a menina sorria promissora
De desvendar segredos que há na brisa,
Anunciando o génio de escritora!
A menina cresceu e é poetisa...
Duma beleza rara, encantadora,
Famosa e conhecida por Marisa!
Carolina Alves
Nasceu a 09/04/1910 - Faleceu a 15/09/1997
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Vila Franca de Xira, 18 de Setembro de 2007
3 comentários:
Não encontro palavras apropriadas para traduzir o que senti ao chegar ao último ponto final...
Admiro o que esta alma escreveu, porque sempre esteve a sentir cada palavra e eu sinto o que ela escreveu... veio da mesma fonte a beleza deste sentir... começou quando um dia o Sol brilhou e durou até que a Lua se escondeu na montanha da vida...
Bem-haja quem consegue dizer o que a alma sente.
Estive em Lisboa e foi com emoção, que confirmei que o prédio onde viveu Carolina ALves, foi pasto chamas. Fotografei exactamente porque em família, pelas imagens da televisão a dúvida persistiu, até porque, falaram nos números 21 e 23, mas ao vivo confirmei o que ainda está na porta: o contorno de um 3 que já lá esteve e um 5, que ainda resiste. Resta-nos a memória de um espaço que agora é apenas "aéreo". Carolina Alves já não vivia lá com toda a certeza, pois a sua força jamais deixaria, que o seu "refúgio" fosse pasto de chamas, por isso aquele prédio pode arder. Carolina Alves vive agora, na sua visitação a todos nós, já não necessita de um espaço tão "pequeno". Bem haja Dr. por a legar às gerações seguintes.
Tiaaa saudades de te ouvir
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