sábado, 20 de outubro de 2007

POSFÁCIO I - (O passeio de Deus)

Na apresentação do livro

“O passeio de Deus”, um livro de ideias, modos de sentir e pensar a existência por toques de relevância filosófica e sensibilidade. Aventuras nos meandros da impressionabilidade e do cogito, oferecendo mananciais de olhares que se fazem passear contornando o lado do indizível. A existência conduz o poeta a questões bastante sérias, profundas, como o caso dos aforismos, produtos de reflexão do autor. Este livro “O passeio de Deus”, obra ímpar, tomado por uma filosofia literária, ergue o escritor a um novo prisma através de múltiplas cores, por patamares elevados. Horas de especulação, engenharia literária, levando a cabo uma profunda reflexão. Do espiritual ao trivial, as somas do sentir, no “O passeio de Deus” tomam corpo quando a vertente sensorial capta o que se disponibiliza… guarnecendo um sumptuoso passeio com uma dita entidade, quer seja imanente ou transcendente. Criam-se mundos na ordem dos porquês na intimidade com padrões de conjecturar, certamente os do poeta em causa, onde se desvelam perspectivas de realidade, tão preciosas quanto os modos de pensar de cada qual. Neste trabalho, o reino do pensamento é uma aventura constante, está numa constante renovação e aperfeiçoamento, face a uma sociedade apinhada de estranhas posturas, onde se reclamam vozes contraídas na miríade de ruídos entre o profano e o sagrado. Pela inquietação constante pautam-se posturas, problemas que implicam entregas e convites.
A poesia de Ângelo Rodrigues é um convite constante à tomada de consciência dos problemas existenciais e metafísicos. Respostas espartilhadas por terrenos que se implicam no próprio título, na tentativa de se agarrar aquilo que parece escapar dos dedos. De notar que medos e obstáculos não contribuem para a libertação, só uma nova postura purifica as crenças usuais, do dogmatismo desenfreado e atrevido. Como diz o grande Filósofo, Sócrates, “a vida não examinada não é vida para um ser humano”, e cada verso esbate-se com uma tomada de consciência, a uma postura reflectida, ainda que sendo a verdade residual das emoções do poeta em causa, as formas de vida que se pautam conjugam-se pelo sentir. Aquilo que se tem no presente são as formas de sentir que em determinadas situações se tentam subverter por modos de opinar diversificados.
Nos caminhos da poesia aqui apresentada, questionam-se os fundamentos da ordem social, as declarações de fé, procurando uma nova condição que sirva de archote para as percepções da situação… esta viagem de descoberta constante, por actos e descrições do sorriso inteligível, mostra outros mundos. O poeta tenta limpar as teias do dogmatismo, levando o sentido da experiência e intelectualidade, imprime nos seus versos uma luz mais elevada, com o intuito de iluminar os que vivem na aparência, nas regras de semântica, esses que não conseguem ver o conteúdo da realidade.
Nesta obra o percurso é uma constante. O passeio de Deus? Mas qual Deus que vai passear? Qual interesse poderá ter para mim tão empolgante conceito, esse do qual pouco sei, ou o meu saber não passará dum assentimento, num discurso de uma moral servida a interesses particulares?. O melhor será mesmo ir dar um passeio e esperar pelas novidades. Propósitos… grandes metas que inflamam a curiosidade, orientando e desorientando o leitor numa entrega de múltiplas tensões. Na poesia de Ângelo Rodrigues está patente a interrogação e o dar-se conta de que somos alguém, por essa ânsia tão enorme que se constitui numa abertura de constante busca, onde se assiste a um chamamento para a origem, Ângelo Rodrigues aponta para o lugar de onde tudo começa, de onde tudo regressa, a própria essência humana, pela necessidade urgente da tomada de consciência e a advertência aos que estão ocupados com a matéria fugaz, para que o acordar ainda esteja a tempo, esse tempo onde se possa beber dos primeiros princípios. O apelo é uma necessidade inerente ao poeta, neste seu “O passeio de Deus”. Passeando pela obra literária do Ângelo, na terminologia empregue, damo-nos conta que a “manhã” surge como princípio de fertilidade do ser, numa conjugação aberta de múltiplos estados, onde se desenraíza o sonho inacabado. Neste sonho, protótipo da ficção, o compromisso desvela-se no dar-se de conta que o mundo existe, só que na postura dos sentidos, onde a incerteza é o tónico predominante, isso aquando da exigência pela dúvida, como diz “já não sei se existes para mim / ou eu para ti”. O poeta precisa urgentemente de se encontrar pelos toques da palavra, porque o que se deixa apreender pelos sentidos é muito pouco, tendo em conta o preenchimento interior, o tal dito “espírito da manhã”, a ânsia da imortalidade que é uma constante, é espelho disso a poesia deste tomo. Algo mexe com o poeta, algo toca, no decurso da diferença dos dias diferentes. A busca é enorme como se pode ver pela leitura que se possa fazer e nas entrelinhas somos nesse estado, sendo a interioridade o lugar por excelência de todos os propósitos, mas a “simples-humanidade não entende”! A recordação, a comparação, um todo de ritmos tocam a sensibilidade e a razão mostra o valor dos atributos, por um toque, onde a lembrança prepara sempre um novo território, certamente aquilo a que o poeta aspira. A saudade, o adeus e todas as proposições do jogo das despedidas exibem a nostalgia do poeta, ainda que remetido para a pura ilusão. As palavras acontecem, fazem o autor procurar outros rumos e ritmos, verifica-se isso pela análise dos seus poemas, dos seus escritos, as próprias palavras são inquietação constante. A viagem é inquietante e estaciona nas origens cosmológicas da poesia, tentando obter-se uma resposta, essa que não se sabe muito bem dos seus meandros. A poesia serve para dizer, para fazer passar uma mensagem, os frutos surgirão posteriormente. É necessário gritar e dizer todos os nomes, mesmo os menos usuais, sim, esses mesmo… todos esses que toda a gente diz às escondidas e o Ângelo escreve mesmo. Tudo acontece no tempo, o tempo da inquietação do nada, um “quase-nada”, talvez um tudo a remodelar-se, a converter-se numa reencarnação ou ressurreição.
Ângelo Rodrigues fala da possibilidade, ele faz parte do objectivo do “jardim do Ser”, um lugar mágico, caracterizado por adjectivos tomados de uma carga muito forte, alguns até contraditórios, sendo a contradição a possibilidade do acontecimento da poesia. Fica-se pelo mistério, isso que é arrepiante, sombrio, alarmante e até imperceptível, ainda que o humano esteja sujeito ao desconhecido pela sua própria caminhada… esse passeio apocalíptico, com ou sem Deus é sem dúvida na existência e levanta imensas questões. O enigma é outro foco, e a pertença é desvelar-se, torna-se nisso o desejo… todavia a pobreza face ao que é, fica aquém da clarificação total e a poesia tenta dar resposta, entre o jogo da sensibilidade e do entendimento. O poeta joga com os conceitos “tudo”, “nada”, “adormecer”, “morte”, na tentativa de elucidar algo, apesar dos mistérios se parecerem multiplicar cada vez mais e a palavra “fim”, pode conter a chave de outro a que Ângelo nos remete. Sabemo-nos não sabendo! O mundo é mais do que o sentimento e a pergunta poderá ser feita no sentido de se perguntar acerca do que é que se sabe do mundo quântico ou outros possíveis. Existem forças responsáveis por aquilo que não se sabe dizer e o universo sustenta todos os princípios, os que se pensam e não pensam. Ângelo Rodrigues tenta pensar estes princípios num espírito filosófico. Afinal, onde mora a luz, qual o local da “casa do Tempo”? Perdemo-nos no jardim do ser, num passeio de Deus… Ângelo Rodrigues convida o leitor a despertar para outras instâncias, utilizando figuras de retórica enriquecedoras para a compreensão, restando sem dúvida o pensamento que norteia como uma bússola nos prados da existência.
Vivências, e um sem conta de experiências são os frutos do quotidiano, uma vez que a vida é o sacerdócio do passeio, por vezes sem rumo, com a esperança em algo, é esse algo que alimenta a chama, conotando-se de tudo o que se possa pensar. O lado pior da caminhada é deixar apagar o lume, uma vez que ele é o sangue da caminhada, a alma. O poeta nesta súmula de poemas faz sobressair a presença de Deus, porque “Ele tudo quer e tudo pode”, porque para lá do rumo outro rumo surgirá, assistimos nesta mão cheia de poemas a uma mudança constante, a uma evolução, à tal marcha de antídotos constantes que oferece respostas.
Na leitura destes poemas e aforismos parei e deixei-me envolver em sabores que me transportaram ao sublime e tomei-me nas ideias, mas a de felicidade é forte, anseia-se como o infinito, não passando de uma ideia entre as ideias disponíveis. A esperança consiste na melhoria de resultados e dizemos por norma que o “amanhã será melhor!”. Esta é a filosofia da auto-ilusão, activa a adrenalina e a crença parece fazer sentido no passeio em causa. As causas são múltiplas e os acontecimentos são sempre surpresa. Vive-se usando os cinco sentidos, se algum desagrada o lume em causa, então enfraquece-se e o segredo parece consistir em “Não deixes apagar o lume!”. Somos discretos no mundo dos sentidos e pautamo-nos por princípios, alguns alteram o modo de pensar. O poeta diz-nos que os mistérios são primos direitos do Destino e surpreende-se com as suas descobertas, está possuído pelo gérmen da filosofia, como que o tal “daimon” socrático. O espanto acontece quando se dá de conta da própria realidade, não uma qualquer, mas a que se sente, esta que foi escrita ao longo deste livro, de um modo muito especial. A importância dos sentidos são padrões de medida, eles fazem coincidir a coisa com a realidade e o momento só é momento quando acontece, nada mais do que isso. O que existe é um aqui e agora dado, esse que o poeta colocou no papel, como fruto da sua sensibilidade e reflexão.
Os sentidos conduzem a exaltações constantes na poesia do Ângelo Rodrigues, assim, o olhar como, “é bom comer a cor desta laranja”, entre outros, os aromas causam o prazer e o prazer só é prazer no momento do próprio prazer, no aqui e agora enquanto se retém os ingredientes que levam a cabo a entronização do sistema nervoso. O génio acontece porque podemos sentir e o sentir é algo distinto, diferente, mas é no agora e não no depois. O ser é no estado de vigília e na relação com… o que resta é o não-ser, estará para lá do “Passeio de Deus”.
A consciência que se tem é do agora e “não há consciência de nenhum amanhã”, de tal sorte que a felicidade não é do futuro, mas do presente. Ângelo Rodrigues escreve: “Vamos continuar a viver / por tentativas e erros. / O erro é o princípio / do Bem e da Verdade.” São os sentidos que possibilitam o prazer e o desprazer, o encanto e o desencanto, neste jogo a que se chama vida e que o Ângelo vai interiorizando. O que as coisas possam ser e não ser, evocam princípios metafísicos, reconduzindo-nos à vertente da ontologia; O poeta é aquele que sente, mas esse sentir é especial, sustenta sensibilidades e cria a partir das mesmas, é como que um deus interior que está sempre atento ao exterior circundante e que não se deixa ver, mas sabe-se fazer sentir.
Coabitamos com o que está disponível, por vezes quase como que dependentes do telemóvel, consola, portátil… com isto e outros acessórios, o poeta procura o sentido constante da existência. Somos nas necessidades que criamos, inventamo-nos para estarmos bem, um bem que se esgota na temporalidade, para termos um lugar de destaque. A poesia de Ângelo Rodrigues é um destaque nos seus feitos… O tempo embrulha-nos e os ciclos repetem-se, tal como as estações do ano, o nascer e o ocaso do Sol, nascer e morrer e a palavra final, será um “Fim”, que ficará em aberto. Afinal, o que é que escapa ao poeta? A advertência é a de se manter uma chama.
As cores da vida evocam sensações, os tons exibem estados de espírito do poeta, apelos de forças constantes.
Ansiosa alma, porque parece faltar algo, um isso inquietante e modelador, restando a hipótese como constelação possível, onde o poeta se envolve, num constante jogo, é isso que permite viver, como diz Ângelo, “uma espécie de alquimia / que nos permite viver / pela orientação metafísica”. Algo separa o humano, faz-se comutar entre o físico e o que está para lá da matéria, a postura metafísica, porque deseja-se a imortalidade, daí a sede de eternidade ser cada vez maior. As estruturas mentais conservam realidades que se pretendem vivas para todo o sempre, como o amor e as outras que ainda por mais que diga, só o Ângelo as pode dizer, uma de cada vez.
O encanto da vida sustenta-se na aprendizagem que se tem e que está em situação, como o poeta diz, “ninguém ensina e ninguém aprende”. Escolhem-se caminhos pesar das constantes indicações, a verdade, a felicidade ou algo que possa prender, tudo isso ou outras circunstâncias contam a história da vida do sujeito, numa comunhão de princípios.
O poeta pergunta pelo sentido da própria pergunta com o intuito de desbravar sentido, na tentativa de reparar algo, uma vez que a postura anseia pelo acolhimento. O conhecimento que aos poucos se vai constituindo é reparador de danos, por vezes frutos da ignorância; contudo é necessário estar atento, não fossem todos estes poemas advertências para se estar atento a algo na grandiosidade do que afinal consiste viver.
Pensar e sentir são a tónica constante na dicotomia do humano em situação, por um tempo de possibilidades. Os filósofos também viveram no mundo da possibilidade e em determinados locais, o Ângelo no seu e na sua lareira, como Descartes deixa um convite para a reflexão, não fosse este livro um constante de estados de reflexão e amadurecimento votados à reflexão, por passagens de evolução que se vão acentuando e assim, “o poema será sempre / a suspensão da normalidade” e “A Morte é de toda a gente”. Um livro entre os livros irrompendo a sensibilidade de quem pára para se dar conta do que está em seu redor…
O Ângelo está de parabéns.

Vila Franca de Xira, 07 de Agosto de 2007
Jorge Ferro Rosa
In, O Passeio de Deus, pp.113-123
PS. Hoje, foi o lançamento oficial do Livro "O Passeio de Deus", de Ângelo Rodrigues. Um evento que mereceu um grande aplauso. Nada faltou. Tudo esteve muito bem. Uma boa assistência que se deliciou na apresentação do livro, com intervenção dos elementos que escreveram para a obra. A Editorial Minerva marcou assim uma postura exemplar. Declamação de poesia, música ao vivo e um excelente beberete que estava magnífico. Um convívio cheio de autografos, onde se partilharam opiniões literárias.
Todos estão de parabéns. A CyberLetter, endereça aqui os parabéns ao Ângelo Rodrigues pelo seu livro magnífico. Bem-haja!.
Saudações da CyberLetter.

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